sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Psicologia de um Don Juan moderno

Você pretende que uma pessoa se ligue definitivamente a um só objeto de paixão,
como se fosse o único existente? Depois disso renunciar ao mundo – ficar cego para todas as
outras formosuras? Bela coisa, sem dúvida,  uma pessoa em plena juventude enterrar-se para
sempre na cova de uma sedução, morto para todas as belezas do mundo em forma de mulher.
Tudo em nome de uma honra artificial que chamam fidelidade? Ser fiel é ridículo, tolo, só serve aos
medíocres. Todas as belas têm direito a um instante de nosso encantamento. E a fortuna de ter
sido a primeira não pode impedir às outras o direito de estremecer o nosso coração. 
- Don Juan de Molière; trad. e adapt. de Millôr Fernandes, p. 5.



Assumo que só comecei a ver esse filme por causa do carisma do Jude Law.


Pensei em diversos filmes para fazer meu primeiro post de crítica cinematográfica, Inception, O Grande Truque, O Ritual, O Lobisomem, Operação Valquíria, Agentes do Destino, Crash, Hotel Rwanda, Capitão América, etc...ok que comentei sobre o Chris Nolan, mas não sobre um filme completo. Seja como for, o fato é que me sinto inspirada para escrever sobre o filme que acabei de assistir na televisão, especificamente na Tela de Sucessos: Alfie, o sedutor.

A película de 2004 é uma refilmagem e adaptação do romance homônimo do escritor Bill Naughton - houve um filme em 1966, com o grande Michael Caine no papel de Alfie. Não vou comentar sobre o nome do protagonista - que achei mais engraçado que charmoso -, ou sobre o título traduzido, meio donjuanesco, mas ainda assim, brega (o título original é apenas "Alfie", mas se 'Franklyn' virou por aqui 'O Justiceiro Mascarado' e 'Arsène Lupin' virou 'Arsène Lupin, o Ladrão mais charmoso do mundo', eu não devia me surpreender...).

Alfie é, à primeira vista, uma pessoa superficial que curte sapatos de marca, curte parecer mais que ser e aproveitar o que a vida tem de "melhor". Passa a segunda metade do filme, após um susto de possível câncer, dizendo que "vai mudar", e até o fim do filme não vi isso... O que acaba sendo um ponto para a história, visto que, na vida real, mudar É difícil, e nós, humanos, temos mais a capacidade de planejar isso que de praticar.

O filme retrata a vida do personagem principal (dãããã!), mais precisamente seus relacionamentos fluídos com as mulheres. Alfie é o bon vivant, nunca se entrega, não expõe seus sentimentos e usa uma capa de proteção contra eles. Não se doa, mas também não mente. É uma pessoa com bom jogo de cintura, que quando se vê naquela situação íntima de D.R. dá um jeito de ludibriar a fêmea e tomar chá de sumiço para evitar complicações. Ele consegue a vida que quer, com algum dinheiro, sem depender de ninguém e sem que ninguém dele dependa. Confesso que muitas vezes anseio isso (e vejo muitos contemporâneos meus fazerem o mesmo). Mas então Alfie questiona que não possui um coisa chamada paz de espírito diante da vida que levou. E pergunta-se o que, de fato, importa. Reconhece que todas as mulheres que já passaram por sua vida muito fizeram por ele sem que esse as tivesse retribuído. E... fim de filme. Com direito a uma caminhada pela noite... não sei se gostei da moral, aliás, nem sei se existe alguma moral ali.
Na verdade acho que não, e esse finalzinho com uma breve reflexão foi colocado pra que sinalizassem que ali era O FIM. Mas não critico isso, afinal, o que vale é vivenciar a experiência, nesse caso, de estar na vida de uma pessoa sem laços.

Acabei a película esperando um desfecho mais idealizado. Costume de experimentar aquela catarse quase sempre encontrada na ficção, nesse (clichê) caso de filme supostamente "romântico", que o Don Juan encontrasse sua Dona Inês e fosse feliz. Com aquele quê de "para sempre". Claro, porque sempre pensamos que pra ser feliz é preciso ter alguém. Ao invés disso, acabei a vivência com a sensação de vazio, de alguém que encarou uma vida real, de alguém cheio de defeitos e que não se elevou em coisa alguma. Uma vida que acabou do mesmo jeito que começou. Como se tivessem sido duas horas para ver uma personagem fracassada, indiferente de se vista nos 5 primeiros minutos do filme ou nos 5 minutos finais desse.

Talvez o problema tenha sido pela história se passar em tempos que as pessoas realmente me parecem tratar-se como descartáveis e substituíveis; indiferentes. Não que no mito donjuanesco não haja isso, mas o protagonista tem como motivações a conquista e o fogo da paixão, enquanto Alfie se move como um pêndulo, indo e vindo sem parecer saber porquê o faz, imerso em vazio de propósito, exceto o quase sufocamento que a intimidade lhe trás e lhe motiva a fugir e novamente mover-se.
Isso me explica porque o sabor do Don Juan do século XIX me pareceu mais sutil, amargo e dramático que os dos livros de Tirso, Molière ou Zorilla. Que coisa....


Referências das obras Donjuanescas:

MOLIÈRE, Jean-Baptiste Poquelin de. Don Juan: o convidado de pedra. Porto Alegre: L&PM, 1997. Tradução e adaptação de texto teatral por Millôr Fernandes. 
MOLINA, Tirso de, El Burlador de Sevilla. Madrid: Cátedra, 1997.
ZORILLA, José. Don Juan Tenorio. Madrid: Cátedra. 2008.
** Link para download da peça Don Juan, de (um autor muito divertido e inteligente) Molière, fornecido pelo site http://www.desvendandoteatro.com/ , leitura rápida e fluida (lê-se inteira em uma hora e meia, mesmo que se tenha ritmo de tartaruga). Recomendo e garanto boas sacadas e risos!

Ps.: Um salve pra minha chefinha que me ajudou a saber mais sobre o querido Don Juan.

27 de Agosto de 2011 ~ 03:09h
Miss Bennet.

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